Filoxera: A praga invisível

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Filoxera: A praga invisível

Da fome, da guerra e da peste livrai-nos Senhor!” - Ladainha do séc. XIV.


Os surtos de pragas e de epidemias desde muito cedo começaram a atormentar as várias civilizações mas foram, essencialmente, dois os fenómenos que mais fizeram sentir os seus efeitos: o contacto intercivilizacional e, mais tarde, a globalização. Os conflitos entre Génova e Constantinopla trouxeram para a Europa a Peste Negra; já no séc. XVI os contactos entre europeus e ameríndios contribuíram para a destruição das civilizações pré-colombianas através da disseminação da varíola, o sarampo e outras doenças europeias. Também as cidades europeias mais cosmopolitas como Lisboa, París, Londres e Sevilha, mais propícias à circulação de indivíduos de todo o globo, eram frequentemente fustigadas por surtos de peste. Também as pragas naturais atormentavam as áreas geográficas cuja economia dependia maioritariamente da agricultura, e é exatamente sobre uma dessas pragas que incidirá o nosso foco doravante: A filoxera.


Uma praga a todo o vapor

Desde os finais do séc XVIII, Inglaterra conheceu um conjunto de fenómenos económicos e sociais que ficariam conhecidos como Revolução Industrial. Entre outras inovações, a máquina a vapor de James Watt afirmou-se como o símbolo do vanguardismo tecnológico e supremacia industrial de uma nação que se afirmava como líder de um império à escala global. Para além da utilização do motor de Watt nas fábricas têxteis do Yorkshire, a máquina a vapor generalizou-se igualmente noutro tipo de aplicações, nomeadamente nos meios de transportes. Aqui importa referir a sua aplicação em locomotivas ferroviárias e também nos navios transatlânticos: graças à industrialização as distâncias começavam a encurtar, e o contacto entre o Novo Mundo e o Velho Continente iria ganhar uma nova dinâmica. Muitos investigadores apontam este encurtar das distâncias como um dos factores para a entrada e disseminação da filoxera na Europa, com a entrada de videiras e de plantas ornamentais americanas, e com elas de alguns parasitas que, sobrevivendo à viagem, depressa iriam fazer estragos na flora do Velho Continente. A filoxera, nativa na América do Norte foi identificada e nomeada pela primeira em 1854, na Flórida. Não iria tardar a chegar a solo europeu – as primeiras notícias da praga na Europa acontecem em 1863, em França. Depressa as principais regiões vínicas europeias iriam ser atacadas por este parasita e em 1865 este é identificado pela primeira vez no Alto Douro. Aqui, quer devido ao microclima, à orografia, ao sistema de socalcos e às características socioeconómicas de uma população demasiado dependente da monocultura, o parasita encontrou condições excecionais para se desenvolver e instalar o caos e a ruína. Ainda que os números variem consoante as fontes, geralmente aceita-se dizer que dois terços das propriedades foram afetados pela praga. 




Vender para sobreviver

Na década de 70, os prejuízos no Cima Corgo atingiram as 300 pipas de vinho, levando muitos pequenos produtores à ruína. Muitos deles tentaram vender as suas quintas ao desbarato, o que significou uma excelente oportunidade para que algumas casas estrangeiras dedicadas exportação de vinhos do Douro adquirissem pela primeira vez terrenos na região. De facto, é durante a crise da filoxera que algumas casas britânicas até então dedicadas exclusivamente à compra e venda de pipas de vinho se vão tornar proprietários de quintas, mudando para sempre o paradigma económico da região. Não menos importante foi a ação de Dª Antónia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, que tentou pôr travão a esta “britanização” do Douro, entrando também ela nestes leilões e chamando a atenção do governo português para este problema. Se muitos lograram vender os seus terrenos, outros que não o conseguiram, simplesmente os abandonaram por acreditarem que estavam irremediavelmente mortos. Estes mortórios ainda hoje proliferam na região como cicatrizes de outros tempos e são excelentes fontes para analisar a viticultura do Alto Douro do período pré-filoxera.





Uma solução importada

Não tardaram as primeiras tentativas de combate ao inseto, ainda que forma autodidata e sem qualquer critério. Muitos optaram pela utilização de uma série de compostos químicos e pesticidas que, para além de ineficazes, ainda destruíam muitas das videiras não atacadas. Outra tentativa menos perigosa mas igualmente ineficiente foi a utilização de animais como sapos ou galinhas para comerem os insetos. Outro método adotado, não para combater, mas para minimizar os estragos, foi a plantação aleatória de diferentes castas, uma vez que a praga atacava com mais força certas castas que outras, o que permitia ao menos, manter certos mínimos produtivos, ainda que muito variáveis consoante as colheitas. Esta última prática, segundo os investigadores, está na origem do atual field blend, tão tradicional na região.

Se França foi o primeiro país a ser fustigado pela praga, a verdade é que também esteve na vanguarda da pesquisa para fazer frente à mesma. Charles Valentine Riley confirmou a teoria de que os porta-enxertos americanos eram imunes à praga. Esta teoria, conhecida como americanista” difundiu-se por toda a Europa, e foi adotada pelo governo português, que a impôs aos produtores nacionais. Curiosamente, todas as grandes casas de vinhos do Porto, sejam elas portuguesas ou britânicas, clamam para si os créditos da resolução da crise, através de viagens a Londres onde terão aprendido os métodos de combate à filoxera, o que por si só é uma falácia.


Consequências e uma novidade a montante.

Algumas das consequências gerais da crise da filoxera foram já aqui mencionadas. O abandono de certas áreas de cultivo, a instalação de famílias inglesas no douro, a afirmação dos grandes produtores face aos pequenos, a utilização de porta-enxertos americanos ou a plantação aleatória de castas foram já alvo da nossa análise, mas há mais. A construção de socalcos com patamares maiores e com mais espaço entre as cepas, de maneira a combater mais eficazmente novas pragas (vinhas pós-filoxera) são igualmente uma imagem de marca dos métodos modernos de plantio. Mas talvez a maior consequência foi a inclusão do Douro Superior à região demarcada do Douro. De facto esta sub-região que se estende numa área compreendida entre a Valeira e o Douro Internacional, já produzia vinhos de grande qualidade muito antes de ser incluída na Companhia Geral, mas o facto de ter passado praticamente imune à praga constituiu o fator chave para a sua inclusão definitiva. Mas sobre o Douro Superior falaremos numa próxima oportunidade…